

Há uma melodia sutil impregnada na palavra ESCOMBROS, que carrega mais dor do que o som de seus sinônimos imperfeitos: destroços, detritos e ruínas. Uma música com coração pesado que ecoa nos resíduos de uma estrutura física que antes se sustentava integralmente, segura e sozinha. Você consegue ouvir? Seu som é incompreensível, feito de fragmentos desconectados, resíduos de passagens históricas e subjetividades em constante mudança – mostrando assim visões do desconhecido, das possibilidades e das incontáveis poderiam-ter-sido. A melodia se transforma em um grito silencioso para a revelação – O que fizeram em vida? O que estava ali antes nos escombros, antes deste rastro sumir?
Começamos nossa jornada, por meio de um portal de uma ruína anacrônica – nosso local de peregrinação – uma fundação única de aço, alta e vazia, na rua Letjen Suprapto nº 27, em frente à Igreja Blenduk no bairro histórico de Semarang, Indonésia. Um lugar mandado pelo destino a permanecer desconhecido, com seu passado preso em seus azulejos em meio a uma paisagem arquitetônica de uma herança colonial européia em ruínas. Quão irônico é ir contra essa estrutura “moderna” sustentada aqui como um sinal de nossa incapacidade de se lembrar ou da inevitabilidade de esquecermos?
Nos anos 50, no antigo nome desta rua, Purwodinatan nº. 27, uma livraria chamada LIONG funcionava com sucesso como um centro de venda de materiais escolares, livros e outras mercadorias importadas, além de publicar independentemente alguns dos quadrinhos mais memoráveis da história da Indonésia. Seus criadores, LIE Djoen Liem e ONG King Nio, nunca souberam até que ponto seus quadrinhos chegaram ou o impacto que tiveram nas gerações seguintes. Em 1958, a família imigrou inesperadamente para o distante Brasil, seus sonhos se dissiparam no ar, talvez como os de (algumas) pessoas que moravam aqui na época. Assim se foram e nunca olharam para trás.
Das ruínas de um lar e dos destroços de uma identidade abandonada, estes detritos anacrônicos refletem a desintegração gradual da multiplicidade social, substituída assim por um ideal de nacionalização nativista e pela precarização do viver como uma minoria discriminada pelo nacionalismo. Por mais que suas dimensões sejam pequenas em relação a esses enormes pilares, puderam, mesmo assim, transgredir com seus múltiplos paradoxos identitários.
O que podemos aprender com os escombros deixados por nossos avôs e com a história que os expulsou? Podemos desvendar o inevitável processo de esquecimento, complexificado por camadas de marginalização e apagamento?