As Multifaces do Corpo (de Trabalho)

Clique no GIF para ver a linha do tempo da Indonésia Comics 1930 – 1960.
Organizado por Adelina Luft.
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Em busca de uma identidade
Durante a ocupação colonial holandesa, a primeira história em quadrinhos indonésia foi publicada em 1931 na Sin Po, um jornal peranakan na língua malaia chinesa de Jacarta. Si Put On era publicado uma vez por semana, todas as quintas-feiras, narrando a comédia da vida de um homem chinês-indonésio que mora em Jacarta e que nunca consegue encontrar uma esposa, devido a contratempos cômicos durante seu dia a dia. O autor deste trabalho – que só começou a assiná-lo em 1957 – foi Kho Wan Gie, um artista chinês-indonésio que também co-fundou uma organização de artistas chineses, chamada Mei Shu Yen Tsiu Hui, juntamente com outres artistas. Entre eles, estava o conhecido artista de quadrinhos Siauw Tik Kwie (Otto Swastika), que ilustrou a história de Sie Djin Koei, publicada na Star Weekly em 1952, entre outras tirinhas em quadrinhos que ele fez para vários jornais (Siang Po, Sin Tit Po, Star Magazine, ou Liberty). Antes da independência, os quadrinhos eram apresentados apenas em formato de tirinhas e, em 1949, quadrinhos estadunidenses como Tarzan, Rip Kirby ou Johnny Hazard também eram publicados como tirinhas em Keng Po ou através das editoras Gapura (Jakarta) e Perfects (Malang).
O período após a independência é particularmente interessante para a produção de quadrinhos, não só porque foi quando começaram a ser impressos em formato de livro e ganharam popularidade, mas também foi uma época em que a nacionalidade da Indonésia e suas ligações com o mundo estavam sendo vigorosamente negociadas na ampla frente cultural. Ser culturalmente moderno também significava participar de novas formas de entretenimento popular. Este foi um período de intensa mobilidade cultural e cosmopolitismo, quando a questão de pertencimento à Indonésia era tanto um resultado de independência e modernidade, quanto uma questão cultural. Durante este período de construção da nação, as respostas indonésias à questão da cultura e modernidade refletiram-se em diferentes formas de expressão artística. Literatura, drama, pintura, escultura e música foram mais facilmente considerados “modernos” pois a característica de novidade era inerente tanto à forma em si (não nativa) quanto à língua (indonésio).
Pesquisas frequentemente se concentram na análise desse período como a busca da Indonésia por uma identidade cultural durante um período de conflitos entre as duas principais ideologias da época que dominaram as produções artísticas, entre estas a Lekra (Associação Cultural do Povo) e Manikebu (Manifesto Cultural). No entanto, há poucas pesquisas sobre como a cultura popular respondeu ou marcou esse período complexo, ou os papéis que artistas chineses-indonésios tiveram nessas complexas mudanças sócio-políticas e culturais. Os quadrinhos eram uma forma cultural visivelmente mais nova e moderna, que rapidamente se espalhou na década de 50 como adaptações locais dos seus colegas ocidentais. Durante esse período, as produções de quadrinhos e a indústria gráfica eram principalmente lideradas por artistas indonésios de ascendência chinesa, como RA Kosasih, John Lo, Siauw Tik Kwie, Lie Ay Poen, Kam Sen Kioe, Lie Djoen Liem, Kwik Ing Hoo, Kong Ong, entre outres. Em meio a essa busca por uma identidade na Indonésia pós-independência, qual o papel desses produtores de quadrinhos? Como a nação e a identidade nacional foram imaginadas a partir dos mundos alternativos presentes nos quadrinhos e pelas subjetividades de seus autores?
Como uma forma cultural importada do “novo” Ocidente (o “velho” Ocidente da Europa foi substituído pelas duas novas superpotências do capitalismo estadunidense e do socialismo soviético como as principais fontes de modelos modernos), os quadrinhos estavam cada vez mais penetrando nos mercados urbanos da Indonésia (principalmente por Medan e por outras cidades portuárias) no final dos anos 1940 e no início dos anos 1950. Durante os primeiros anos da década de 50, começaram protestos que tiveram crescimento gradual organizado por pais e educadores exigindo o fim da difusão e do consumo de quadrinhos ocidentais, considerados uma má influência para a juventude indonésia. Havia-se a necessidade de buscar fontes de cultura local que pudessem contribuir para a formação de uma identidade nacional, uma necessidade que as editoras da época rapidamente procuraram responder. Em 1953, RA Kosasih, também conhecido como o pai dos quadrinhos indonésios, foi contratado pela editora Melodie em Bandung e começou a produzir alguns de seus quadrinhos mais conhecidos, como Ramayana e Mahabharata, inspirados no repertório folclórico da Indonésia. Isso marcou o início dos quadrinhos Wayang.
Como a Tok Buku Liong desempenhou seu papel ao imaginar a nação pela subjetividade dos próprios autores, como enfatizamos nos volumes anteriores? Era a heterogeneidade dos quadrinhos que produziram um reflexo de como se viam enquanto indonésios e como entendiam a identidade nacional?
Kammik Toko Buku Liong
Toko Buku Liong era uma livraria e produtora de quadrinhos independente atípica de sua época, quando a maioria dos quadrinhos era importada por grandes jornais ou produzida por artistas que trabalhavam em tempo integral em grandes editoras como Melodie na cidade de Bandung. Não havia produtores de quadrinhos independentes na época para publicar quadrinhos na história da Indonésia, como vemos nas produções de Toko Buku Liong (TBL). Outra característica importante é que funcionou por meio de colaborações com várixs artistas e escritores, dirigidos pelo casal Ong King Nio e Lie Djoen Liem, como vemos em Wiro (uma colaboração entre o próprio Lie Djoen Liem e Kwik Ing Hoo), Sie Djin Koei ( entre Kam Seng Kioe e Ben Be Thong Ling), e outros quadrinhos anônimos que foram resultado de esforços coletivos (keroyokan).
Dapat dibeli dari Toko-toko buku di seluruh Indonesia atau langsung kepada: TOKO BUKU “LIONG”
Por volta de 1954 a 1955, a TBL publicou Dagelan Petruk Gareng de Indri Sudono em 12 volumes. Esta história em quadrinhos parece ser a primeira que traz as histórias de Punakawan (os palhaços servos do herói: Semar, Petruk, Gareng, Bagong) em formato de quadrinhos, abrindo um novo subgênero para quadrinhos indonésios, “cergam Petruk-Gareng” que inspirou outres artistas de quadrinhos famosos nos anos 80 e 90, como Tatang S.
Outros personagens locais criados na TBL foram Pak Sabar dan Keluarga e Dagelan Hardjo Tingtong, também assinado por Indri Sudono.
Siapakah! Siapakah! Jang dapat mentjiptakan SAM KOK dalam Tjeritera Gambar Berurutan Djika bukan LIONG’s KAMMIK?
Os contos populares chineses foram os principais temas publicados em volumes na TBL sob a categoria de “Clássicos Chineses”, como os contos de See Yoe, Sam Po, Hong Sin, Sam Kok e Sie Djin Koei. Este último, publicado em 1954, parece ser a primeira vez que a história foi compilada em formato de livro, abrangendo 9 volumes e de autoria de Kam Sen Kioe com ilustrações de Be Thong Ling. Era diferente da história em quadrinhos de Siaw Tik Kwie – que foi traduzida por OKT (Oei Kim Tia) da história original para o indonésio – já que Kam Sen escreveu uma nova história baseada no conto popular original.
Crédito indonesianstraightchinese.blogspot.com
Na lista de livros publicados por Liong, existem diferentes categorias de publicações destinadas a diferentes públicos. Além dos “Clássicos chineses”, era possível encontrar “Entretenimento para jovens e adultos” ou a categoria “Senhoras” que incluía publicações sobre alimentação (chinesa, européia e indonésia), moda infantil e adulta, alfaiataria e fotografia.
Wiro Anak Rimba Indonesia, Volume 3. Crédito: Arquivos de Daniel Lie
Ong King Nio, esposa e sócia de Lie Djoen Liem, foi fundamental para administrar a loja e funcionários, administrar as finanças e cuidar da grande família, ao mesmo tempo que escrevia e produzia pequenas publicações sobre moda e comida que ela assinava com o nome “Eleonora”.
Com base nas memórias dos filhos de Lie e Ong, sabemos agora que Ong King Nio também esteve envolvida na criação das histórias em quadrinhos, incluindo Wiro Anak Rimba Indonesia, e foi uma colaboradora ativa em muitos dos textos. O papel das mulheres nas publicações de quadrinhos foi amplamente esquecido por historiadores e pesquisadores. A indústria de quadrinhos continua sendo dominada pelos homens cisgêneros até hoje.

Por Danie Lie
A Toko Buku Liong encerrou suas atividades em 1958, quando a família migrou para o Brasil. Levaram apenas fragmentos de seus quadrinhos publicados, bem como um quadrinho não publicado ainda em processo de escrita e edição. O restante está espalhado em diferentes coleções particulares e muitos foram republicados por outras editoras, mas as questões de direitos autorais permanecem desconhecidas para nós.
História em quadrinho não publicada. Crédito: Arquivos de Daniel Lie